Ada Rogato

Para marcar a presença cada vez mais destacada das mulheres na nossa aviação, nada melhor do que lembrar aqui uma de suas pioneiras. E a aviadora Ada Rogato, nascida em 22 de dezembro de 1910 no bairro operário da Moóca, em São Paulo, soube honrar os títulos que receberia mais tarde – como “Rainha dos Céus do Brasil”, “Milionária do Ar”, “Águia Paulista” ou “Condor dos Andes” – não só pela ousadia de suas conquistas, mas também por seu perfil de mulher e cidadã.

Filha de imigrantes italianos, depois de cursar primário e secundário e de receber aulas particulares de piano e pintura – padrão da “educação para moças” da época -, Ada, em meio a dificuldades provocadas pela separação de seus pais, tornou-se em 1935 a primeira piloto de planador da América do Sul; no ano seguinte, habilitou-se como piloto de avião (a terceira do Brasil, depois de Thereza de Marzo e Anésia Pinheiro Machado); em 1941, foi a primeira no país a obter o brevê de paraquedista. Ainda nos anos 1940, tornou-se mais conhecida quando, com seus saltos e acrobacias aéreas, empolgava o público nas festas aviatórias que incentivavam a abertura de novos aeroclubes pelo país; e em 1948 se tornou também a primeira piloto agrícola do Brasil. Mas foram seus reides nos anos 1950/1960 que a notabilizaram.

Voando sempre sozinha, em aviões pequenos e de poucos recursos, Ada foi conquistando sucessivos recordes: em 1950 – com um “Paulistinha” CAP-4, de apenas 65 Hp -, a piloto visitou Paraguai, Argentina, Chile e Uruguai, cruzando os Andes duas vezes (cruzaria outras nove vezes, mais tarde); no reide de 1951 pelas três Américas, a bordo de um Cessna 140-A de 90 Hp, chegou até o Alasca; com o mesmo avião, atingiu em 1952 o aeroporto de El Alto, na Bolívia, o mais alto do mundo; em 1956, voou 25.057 km em 163 horas por todo o Brasil, incluindo o então chamado “Inferno Verde” amazônico e o Planalto Central; em 1960, foi a primeira mulher a chegar – ainda pilotando o mesmo Cessna – à cidade mais austral do mundo: Ushuaia, na Terra do Fogo argentina.

De baixa estatura, discreta no vestir, não atraía pela beleza ou exuberância, embora o poeta Paulo Bonfim descrevesse seus olhos como “cheios de magia…um olhar impregnado de viagens…”. Certamente sua maior atração eram outras qualidades, sendo a ousadia a primeira delas. Seu primeiro dos muitos desafios foi enfrentar o pai, quem tudo o que sonhava para a filha era um bom casamento; depois, jogar tudo que economizou com os bordados ao lado da mãe nas aulas de voo a vela; aceitar participar, ao lado de cinco rapazes paraquedistas, do primeiro (que se saiba) salto noturno e na água, na Baía de Guanabara; ou se arriscar a polvilhar com DDT, do ar e quase sem equipamentos, as plantações de café, em nome de salvar da broca a que então era a maior riqueza nacional. A façanha lhe custou uma queda da aeronave em Cafelândia (SP), da qual saiu com perna e dentes da frente quebrados, grande cicatriz no rosto, sem com isso a impedir de continuar na missão.

Seus reides não foram menos desafiadores: no sul-americano (1950), aproveitou para se apresentar saltando de paraquedas, tornando-se destaque na imprensa dos quatro países; pelas três Américas (1951), bateu o recorde mundial de 51.064km em 364 horas de voo solitário em pequeno avião sem instrumentos para voo cego; e no ano seguinte, contrariando opinião de autoridades aviatórias, só chegou no mesmo avião de baixa potência a El Alto graças a ter deixado pelo caminho, antes da Cordilheira, a bateria, um rádio para falar local, metade do combustível e ter reduzido sua bagagem pessoal a uma pequeníssima maleta de mão. E foi assim, trajando seu macacão, que compareceu à cerimônia em que recebeu a mais alta condecoração concedida pelo país a um civil. No reide pelo Brasil (1956), além de todas as capitais e outras cidades, cruzou todo o Pantanal, chegou a pousar em campos abertos pelos indígenas e a cruzar no mesmo voo o trecho até então indevassado por pilotos civis Xingu-Cachimbo-Jacareacanga. Já no regresso da Terra do Fogo, em 1960, ela enfrentou, como disse em seu currículo, “ventos superiores a 100km/h, durante dez horas de voo…e numa temperatura de três graus abaixo de zero” – sem ar condicionado.

O senso de cidadania foi outra das qualidades de Ada, bem anterior à fase dos reides – que lhe rendeu centenas de condecorações no Brasil e no exterior. Mal saindo da adolescência, ela já havia atuado na retaguarda de apoio das mulheres paulistas aos combatentes da Revolução Constitucionalista de 1932, o que lhe valeria anos mais tarde carteira e medalha da Sociedade dos Veteranos do MMDC “por sua participação no movimento”. Quando o Brasil entrou na Segunda Guerra mundial, ela se inscreveu como voluntária para o patrulhamento do litoral paulista, tendo cumprido ali 213 missões, entre 1942 e 1945. Fez parte de várias entidades para estudos e preservação da memória brasileiros, tais como Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Sociedade Amigos da Cidade, comissão dos festejos do IV Centenário da Cidade de São Paulo, e Fundação Santos-Dumont – da qual foi dirigente.

Foi diretora do Museu da Aeronáutica de São Paulo – o primeiro da América Latina -, ao qual entregou seu companheiro de viagens, o avião “Brasil”. Lá trabalharia graciosamente (desde que se aposentou em 1980 no serviço público até seu falecimento em 1986), tanto recebendo altas personalidades como acompanhando e monitorando crianças e jovens visitantes. Mesmo tendo se tornado celebridade, sendo constantemente focalizada pela imprensa e pela televisão, ela não gostava de “aparecer” muito: quando a cineasta Regina Rheda quis fazer um curta-metragem sobre ela, Ada se recusou a “estrelar” o filme, sugerindo que Regina usasse “um manequim” em seu lugar.  Lançado em 1985, o filme, premiado, foi passado no início da sessão de cinemas de todo o Brasil, durante cinco anos.

Texto por: LUCITA BRIZA